O presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB), protagonizou nesta semana uma evidente contradição entre discurso e prática política. Enquanto lideranças da Casa pressionavam o governo Lula por medidas de austeridade fiscal, o próprio Motta protocolou um projeto de lei que amplia privilégios a parlamentares e aumenta as despesas públicas. A informação foi revelada pela Folha de São Paulo nesta quinta-feira (12/6).
A proposta, apresentada pela Mesa Diretora da Câmara na terça-feira (10/6), extingue a atual proibição de acúmulo entre aposentadoria parlamentar e salário de cargo eletivo — uma regra prevista desde 1997. Com isso, deputados, senadores, prefeitos e outros políticos que hoje precisam escolher entre o benefício previdenciário e a remuneração pelo mandato poderão receber ambos simultaneamente, elevando consideravelmente seus rendimentos mensais.
Hoje, um deputado federal com mais de 65 anos, por exemplo, precisa optar entre a aposentadoria proporcional ao tempo de contribuição ou o salário de R$ 46.366,19. Caso o projeto avance, esses parlamentares passarão a ter direito aos dois pagamentos. Segundo a justificativa apresentada por Motta e demais signatários do texto, a proibição atual “perpetua discriminação indevida” e seria “incompatível com os princípios constitucionais da isonomia e da legalidade”.
A proposta vai além. Prevê também o pagamento de uma gratificação natalina — atualmente inexistente — para os aposentados e pensionistas do regime de previdência do Congresso Nacional. A justificativa afirma que o benefício é pago a “todas as demais categorias e beneficiários de programas sociais” e, portanto, deveria ser estendido também aos ex-parlamentares.
O projeto, porém, não apresenta qualquer estimativa de impacto orçamentário, embora admita que a medida implicará em aumento de despesas. O regime previdenciário dos parlamentares é financiado tanto pelas contribuições dos beneficiários quanto por recursos do Congresso Nacional.
O movimento da Mesa Diretora se dá em paralelo a manifestações públicas de partidos como União Brasil e PP — ambos signatários da proposta — que, nesta quarta-feira (11/6), defenderam cortes de gastos por parte do governo federal e se posicionaram contra iniciativas de aumento da carga tributária. A proposta de Motta tramitava com pedido de urgência, sem sequer ter sido incluída previamente na pauta da Câmara.
Procurado pela Folha de S.Paulo, o presidente da Câmara não respondeu aos questionamentos até a publicação da matéria. A rapidez com que o texto começou a tramitar indica que a base de apoio de Motta tenta aprová-lo antes do recesso legislativo, mesmo em um momento em que o Parlamento exige contenção de despesas do Executivo.
A incoerência entre o discurso de rigor fiscal e a prática de autoproteção revela o abismo entre a retórica da austeridade e os interesses corporativos da elite política. O projeto escancara que, para muitos parlamentares, o ajuste fiscal deve valer apenas para os outros.