A investigação da Polícia Federal (PF) concluiu que o esquema de fraudes com a cobrança de mensalidades sem autorização dos aposentados, por associações teria começado em 2016, ainda na gestão de Michel Temer (MDB), mas ganhou força a partir de 2019, no governo do então presidente Jair Bolsonaro (PL), e atingiu a casa dos bilhões a partir de 2023, no terceiro mandato do presidente Lula (PT), com medidas legais que teriam facilitado os descontos.
O advogado Rômulo Saraiva, especialista em Previdência e colunista da Folha de São Paulo, explicou que a autorização para descontos de valores em benefícios previdenciários existe desde 1991, no primeiro ano do governo do ex-presidente Jair Bolsonaro, com a publicação da lei 8.213, que trata sobre as regras da Previdência Social.
Segundo Saraiva a previsão está no artigo 115 da lei, que determina serem descontadas "mensalidades de associações e demais entidades de aposentados legalmente reconhecidas, desde que autorizadas por seus filiados".
O especialista esclareceu que os descontos não eram tão frequentes porque havia uma obscuridade em relação às normas executórias ou procedimentais para se fazer isso. Então, em 2022, último ano do governo de Jair Bolsonaro, foram editadas duas instruções normativas: a 128 e a 138, principalmente a 138, onde constam o be-a-bá para fazer as averbações de descontos, o que contribuiu para que as cobranças fossem intensificadas. O "endurecimento" contra fraudes, segundo Saraiva, veio somente em março de 2024, quando "o estrago estava feito".
Em sua opinião, faltou "pulso firme" do INSS. "O INSS tem uma faca muito bem amolada para cortar benefícios irregulares, mas não foi assim neste caso", afirma.
CONGRESSO MUDOU REGRAS E FACILITOU FRAUDES
O desconto de mensalidades de associados e sindicatos em aposentadorias e pensões do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) atingiu patamares bilionários após 2022, com movimentações políticas no Congresso que impediram o endurecimento de regras para barrar débitos ilegais.
O Congresso retirou exigências que previam a necessidade de as associações confirmarem, após um período, se os aposentados gostariam de continuar com os descontos. O início da revalidação primeiramente foi adiado e depois retirado da legislação em 2022. No mesmo ano, o INSS publicou duas normativas regulamentando os descontos em benefícios, mas sem normas que pudessem dificultar fraudes.
DEMISSÕES PRESIDENTE INSS E MINISTRO PREVIDÊNCIA
Investigação da Polícia Federal e da CGU (Controladoria Geral da União) na Operação Sem Desconto no período de 2019 a 2024, calcula-se foram descontados R$ 6,3 bilhões em benefícios previdenciários —entre valores legais e ilegais, que levaram à demissão do presidente do INSS, Alessandro Stefanutto. Após a repercussão do esquema bilionário de fraudes o clima tornou-se tão insustentável que obrigou ao ministro da Previdência, Carlos Lupi, a pedir demissão do cargo nesta sexta-feira (2/5).
Uma auditoria da CGU revelou que 97% dos entrevistados em uma amostra de 1.300 beneficiários disseram que não autorizaram o pagamento dos descontos ou ocorreram fraudes, como a falsificação de assinaturas.
As associações são entidades às quais aposentados e pensionistas podem se filiar para ter benefícios como plano de saúde, academia, dentista, colônia de férias e consultoria jurídica para entrar com ações judiciais, entre outros. É descontada uma mensalidade diretamente do benefício previdenciário.
A operação investigou 13 associações e sindicatos e denunciou 11. Todos os descontos estão suspensos após a investigação e, segundo a CGU, todos os valores descontados indevidamente serão devolvidos, em um plano de restituição que ainda será apresentado pelo governo federal.