Em mais um capítulo da queda de braço entre o governo Lula e o deputado Guilherme Derrite (PP-SP), relator do PL Antifacção.Hoje, a legislação só permite o confisco de bens após uma sentença criminal condenatória; durante a investigação, o patrimônio de suspeitos pode ser apreendido por decisão judicial. Autoridades da área de segurança pública defendem o confisco antecipado como forma de evitar dificuldades para reter bens como aeronaves, veículos e imóveis, por vezes mantidos em nome de familiares ou laranjas de criminosos.
Para facilitar o confisco, o Ministério da Justiça propôs, no texto original do PL Antifacção, novos artigos no Código de Processo Penal para que o juiz possa decretar a perda antes mesmo do fim do processo judicial. Esse “perdimento extraordinário”, segundo a proposta, poderia ser aplicado mesmo se o processo for arquivado ou extinto em caso de prescrição ou morte do réu.
NÃO OLHA SÓ O RÉU, MAS O PATRIMÔNIO
O relatório inicial de Derrite suprimiu esse “perdimento” sem propor algo em seu lugar. Diante da repercussão negativa, ele incluiu em sua versão mais recente uma “ação civil de perdimento de bens”, um novo instrumento judicial em que o juiz pode confiscar patrimônio quando houver indício de que ele surgiu de atividades ilícitas. Derrite estipulou ainda que essa ação é “imprescritível” e independe da “aferição de responsabilidade” na ação criminal, que por vezes caminha de forma mais lenta.
“Você não olha mais só para o réu, mas para o patrimônio dele. É uma medida civil que tem um efeito fenomenal para recuperação de ativos. Segue a legislação da Colômbia e uma recomendação da ONU”, afirmou Vladimir Aras, procurador federal e professor da Universidade de Brasília (UnB).
PROJETO GOVERNO PREVÊ LISTA CRIMES DE FACÇÕES E PERDA DE BENS.
A proposta do governo previa que essa declaração de perda ocorresse dentro da investigação criminal, sem gerar uma nova ação judicial. Além disso, estabelecia que, após a apreensão dos bens, os investigados tivessem 15 dias para “comprovar a origem lícita”; sem essa comprovação, o juiz já poderia decretar o perdimento extraordinário, ainda que não houvesse condenação pelo crime principal posteriormente.
“A opção por esse incidente é porque é muito mais rápido. Fica menos burocrático e seguro, porque você corre o risco de ter duas decisões antagônicas, a da ação criminal e a da civil. Entendemos que o juiz natural da causa tem muito mais elementos para julgar e conseguir alcançar o bem mais rápido” explicou o secretário nacional de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça, Marivaldo Pereira.
“É tirar os bens sem exigir condenação criminal. Não é o que acontece hoje, por exemplo, no caso de uma operação como a Carbono Oculto: todos os bens estão apreendidos, mas em nenhuma hipótese são perdidos antes da sentença”.
Na avaliação de Thiago Bottino, professor da FGV Direito Rio e especialista em Direito Penal, existem dificuldades para asfixiar organizações criminosoas, mas ele avalia que ambas as propostas, a do governo e a de Derrite, “invertem o ônus da prova” e contradizem o princípio do processo penal de que os “condenados perdem o que foi obtido de forma criminosa”.
Já a advogada criminalista Ana Krasovic pondera que o relatório de Derrite impede o perdimento de bens caso o juiz “reconheça taxativamente a inexistência” de crime atribuído ao investigado. Já o texto do governo, segundo a advogada, prevê uma lista específica de crimes de facções que podem levar à perda de bens.


