O Brasil é o país da América Latina com maior parcela da população vivendo sob as regras impostas por grupos criminosos. A constatação está no estudo “Governança Crimininal na América Latina: Prevalência e Correlatos”, elaborado por quatro pesquisadores de universidades americanas e publicado na última semana pela Cambrige Univesity Press.
Segundo o levantamento, entre 50,6 e 61,6 milhões de brasileiros — cerca de 26% da população — estão submetidos à chamada governança criminal, definida como o conjunto de normas impostas por organizações criminosas que controlam determinados territórios.
Na região, o percentual estimado é de 14%, o que equivale a entre 77 e 101 milhões de pessoas. O Brasil, portanto, concentra sozinho mais de metade dos latino-americanos sob esse tipo de domínio.
BRASIL À FRENTE DE OUTROS PAÍSES
Depois do Brasil, a Costa Rica aparece em segundo lugar, com 13% da população submetida a facções, seguida por Honduras (11%), Equador (!!%). Colômbia (11%), El Salvador (9%), Panamá (9%) e México (9%).
O estudo destaca que as regras impostas pelo crime organizado afetam todos os aspectos da vida comunitária, desde eleições até o acesso a serviços públicos.
IMPACTOS DA GOVERNANÇA CRIMINAL
De acordo com os pesquisadores, a presença de facções pode tanto reduzir índices de criminalidade quanto provocar picos de violência letal. Um dos exemplos citados é a queda nos homicídios registrada em São Paulo nos anos 2000, fenômeno associado à ascensão do Primeiro Comando da Capital (PCC).
Situações semelhantes foram observadas em outros países, como nos acordos de paz firmados entre maras e o Estado em El Salvador ou nos pactos com combos em Medellin, na Colômbia, que também resultaram na redução de assassinatos.
ESTADO FORTE E CRIME ORGANIZADO
O estudo ainda contesta a ideia de que o crime se instala apenas onde o Estado é ausente. Para Benjamin Lessing, professor de ciência política da Universidade de Chicago e um dos autores da pesquisa, o caso brasileiro mostra o contrário.
“As facções são muito fortes, e o país tem um Estado forte comparado a outros lugares. Onde surgiram as facções? No Rio e em São Paulo. A mais poderosa, o PCC, nasceu em São Paulo, o estado mais rico da União”, afirmou.
Lessing defende que a repressão estatal pode ser, paradoxalmente, um fator que fortalece a governança criminal. Segundo ele, altos índices de encarceramento, operações policiais em comunidades e o combate ao tráfico de drogas acabam estimulando facções a assumir o controle dos territórios.
“Quanto maior a ameaça da polícia de entrar e apreender drogas, mais a facção tem incentivo para governar. É consistente a ideia de que a repressão estatal é o motor da governança criminal”, concluiu.