O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), comete um erro e agride a democracia ao se lançar nos braços bolsonaristas em sua defesa pela anistia a golpistas. A submissão ao bolsonarismo que revelou na Avenida Paulista no domingo expõe oportunismo e mancha suas credenciais republicanas.
Depois de passar a semana articulando uma anistia descabida para Bolsonaro e os demais acusados de golpe de Estado em julgamento no Supremo — em aceno ao bolsonarismo, ele chegou a declarar que “não confia na Justiça” —, Tarcísio voltou à carga com um discurso incendiário. Quando a multidão gritava “Fora, Moraes!”, ele disse: “Por que vocês estão gritando isso? Talvez porque ninguém aguente mais. Ninguém aguenta mais a tirania de um ministro como Moraes. Ninguém aguenta mais o que está acontecendo neste país”. Noutro momento, voltou a desafiar o relator do processo contra Bolsonaro: “Nós não vamos mais aceitar que nenhum ditador diga o que a gente tem que fazer”.
Diante do ataque, o primeiro a reagir em defesa das instituições foi o decano do STF, ministro Gilmar Mendes: “O que o Brasil realmente não aguenta mais são as sucessivas tentativas de golpe que, ao longo de sua história, ameaçaram a democracia e a liberdade do povo. É fundamental que se reafirme: crimes contra o Estado Democrático de Direito são insuscetíveis de perdão! Cabe às instituições puni-los com rigor e garantir que jamais se repitam”.
A Justiça no Brasil é um Poder independente, e suas decisões devem ser respeitadas por todos, goste-se ou não. É quando uma sociedade abandona esse princípio que se aproxima da tirania. Querer desafiar essa regra basilar da democracia equivale a flertar com aqueles que querem sabotá-la. Ou Tarcísio teria outra palavra, além de golpe, para definir quem perde uma eleição e tenta se manter ilegalmente no poder com ajuda de militares?
Em seu cálculo político, ele provavelmente acredita que o radicalismo contra o Supremo lhe renderá a bênção do ex-presidente Jair Bolsonaro e de seus apoiadores para candidatar-se à Presidência. Com sua adesão incondicional à anistia para os réus por golpismo, ele tenta isolar, dentro do bolsonarismo, os críticos que veem nele um aliado pouco confiável (caso do pastor Silas Malafaia, que estava no palanque da Paulista) e deixar em segundo plano outras pré-candidaturas desse campo político (caso da ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro, que também estava lá). Mas Tarcísio parece ignorar o risco inerente a essa escolha: tornar-se um candidato tóxico ao eleitorado moderado de centro, justamente aquele que, de acordo com as pesquisas de opinião, decidirá o pleito de 2026.
Ainda há, é verdade, tempo para ele escapar da armadilha e se firmar como opção democrática da direita. Mas o preço que pagará pelo discurso antidemocrático não será baixo. Ele rompe as pontes com setores conservadores da sociedade insatisfeitos com o radicalismo bolsonarista e soterra o diálogo que cultivava com Moraes e o Supremo. Tarcísio não será um candidato viável à Presidência sem se curar da febre de radicalismo que o acometeu.