Especialistas destacam que o desenho jurídico privilegia o elemento volitivo e documental na definição de quem é mãe ou pai, com potencial para reduzir ações declaratórias posteriores.
Ainda assim, permanecem abertas as vias judiciais para alegações de vício de consentimento e para situações em que a sócio afetividade seja invocada como elemento de manutenção de vínculos.
DO REGULATÓRIO À LEI: MUDANÇA DE PATAMAR
Até agora, a prática vinha sendo balizada por resoluções do Conselho Federal de Medicina e por normas administrativas do sistema registral.
O Provimento 63 do CNJ já disciplinou o registro de nascimentos em reprodução assistida e, para casos de gestação por substituição, vedou a inclusão do nome da parturiente no assento. O PL 4/2025 desloca essas referências para o nível legal, ao incorporar os dispositivos no Código Civil, o que tende a oferecer maior densidade normativa e uniformidade a procedimentos hoje resolvidos por atos infralegais e orientações de corregedorias.
TRÊS FRENTES DE CONTROVÉRSIA
No plano jurídico, o debate se concentra no risco de insegurança decorrente de cláusulas abertas e na discussão sobre a conveniência de um controle judicial prévio em cenários específicos, como quando não há parentesco entre cedente e beneficiários ou surgem sinais de intermediação comercial.
A defesa de filtros adicionais inclui, por exemplo, exigências documentais reforçadas e participação obrigatória do Ministério Público em casos complexos. Sob a ótica bioética, a tensão envolve autonomia reprodutiva, proteção da mulher que cede o útero e o interesse da criança.
A proibição de lucro pretende coibir exploração econômica, mas reabre a discussão sobre a diferença entre reembolso de despesas e remuneração indireta, tema que demandará regulamentação técnica e fiscalização efetiva.
Enquanto isso, o tratamento dos embriões congelados mobiliza argumentos sobre dignidade, destino adequado e compatibilidade com práticas internacionais.
No eixo cultural e religioso, lideranças divergem sobre limites da tecnociência na formação de famílias e sobre a conciliação entre liberdade individual, dignidade humana e proteção da infância.
Há quem sustente que a lei deve espelhar pluralidade de arranjos e, ao mesmo tempo, resguardar princípios de não mercantilização do corpo.
IMPACTOS NO DIA A DIA DE FAMÍLIAS, CLÍNICAS E CARTÓRIOS
Para famílias que enfrentam barreiras clínicas para engravidar, a positivação em lei é percebida como caminho para previsibilidade e menor judicialização, especialmente no momento do registro.
Já as clínicas deverão fortalecer rotinas de consentimento, armazenamento de documentos e reportes ao sistema nacional, com protocolos claros sobre gestão e destino de embriões.
Nos cartórios, o impacto é operacional: caberá aos oficiais verificar o conjunto probatório antes da lavratura, resguardar o sigilo e aplicar as regras de atribuição de filiação conforme o contrato.
TRÂMITE NO SENADO E PONTOS SUJEITOS A AJUSTES
O processo legislativo avança no Senado, com comissão temporária designada para analisar o texto e possibilidade de ajustes.
Alterações podem incidir sobre a extensão do sigilo, os requisitos para cessão por não parentes, as balizas do consentimento informado e os detalhes do procedimento registral.
Mesmo que prevaleça um modelo sem autorização judicial como regra, a prática notarial continuará a exigir documentação robusta e, em casos duvidosos, a suscitar consultas a corregedorias para orientação, preservando uma interface institucional de segurança.