Metade dos trabalhadores brasileiros não consegue fechar as contas no fim do mês sem buscar dinheiro extra, aponta pesquisa da SalaryFits, empresa da Serasa Experian.
O resultado é uma população sem colchão financeiro: 52% das pessoas não têm qualquer tipo de reserva financeira, segundo a Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima).
A vulnerabilidade se manifesta no endividamento crescente. Em outubro, 30,5% das famílias brasileiras tinham dívidas em atraso, segundo a Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC). Pior: 13,2% afirmaram não ter condição de pagá-las.
No sistema financeiro, a inadimplência das pessoas físicas atingiu 6,7% da carteira em agosto — o maior nível desde fevereiro de 2013, conforme o Banco Central.
SEM RESERVA QUALQUER IMPREVISTO VIRA CRISE
O quadro se agravou. O percentual de brasileiros com algum tipo de reserva caiu de 44% em 2017 para 37% em 2024 — recuo de sete pontos em sete anos. Em agosto, 48,2% da população estava negativada — o maior índice desde 2016, segundo a Serasa. O ciclo é perverso: sem reservas, qualquer imprevisto vira crise.
Para cobrir emergências, recorre-se ao crédito. Com juros elevados, sobra ainda menos para poupar. E o juro brasileiro está entre os mais caros do mundo. A vulnerabilidade elimina planejamento de longo prazo. Comprar um imóvel, financiar educação dos filhos, garantir aposentadoria digna — tudo se torna inatingível. A vida se resume à gestão do mês corrente.
POR QUE O BRASILEIRO NÃO TEM POUPANÇA?
As causas são múltiplas e se reforçam: renda insuficiente, endividamento crônico, ausência de educação financeira, cultura do consumo imediato e trauma histórico de instabilidade econômica. Cada fator isolado já seria obstáculo grave. Combinados, criam barreira quase intransponível.
QUANDO NÃO SOBRA NADA NO FIM DO MÊS
A primeira barreira é a mais óbvia: renda insuficiente. Para metade dos brasileiros, o salário mal cobre despesas básicas — moradia, alimentação, transporte, saúde. Não se trata de escolha ou má gestão. É matemática: quando a renda se esgota antes do fim do mês, não há o que guardar.
DESEMPREGO E INFORMALIDADE AGRAVAM SITUAÇÃO
O desemprego e a informalidade agravam o cenário, embora ambos estejam em níveis historicamente baixos para os padrões nacionais — 5,6% de desemprego e 37,8% de informalidade no segundo trimestre de 2024, segundo o IBGE. Os informais vivem na incerteza: sem renda fixa ou previsível, a prioridade se torna sobreviver ao mês corrente. Mesmo entre formalmente empregados, salários estagnados e alta rotatividade impedem reservas consistentes.
GRANDE PARTE VIVE NO LIMITE DO ORÇAMENTO
"Grande parte da população vive no limite do orçamento", diz André Braz, coordenador dos índices que medem o custo de vida no Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre). Mesmo quando há margem para poupar, o endividamento consome os recursos.
O crédito brasileiro está entre os mais caros do mundo. Juros do rotativo do cartão ultrapassam 400% ao ano; cheque especial cobra até 130%. Quem recorre a essas modalidades para cobrir emergências entra em espiral: as parcelas acumuladas comprometem a renda dos meses seguintes. Facilidades amplificam o problema.
Parcelamentos "sem juros", compras on-line em um clique, crédito pré-aprovado — tudo cria ilusão de que o dinheiro está disponível. O comprometimento do futuro só fica evidente quando o orçamento já não fecha.
Na edição de amanhã (quarta-feira) publicaremos a parte 2 deste artigo


