A proposta de inserir regras explícitas sobre gestçaõ por substituição no Código Civil chegou ao Senado com o PL 4/2025 e redesenha o procedimento no Brasil.
O texto autoriza a prática sem finalidade lucrativa, transfere o registro de nascimento para a via administrativa e permite que a filiação seja definida previamente em contrato, dispensando autorização judicial prévia.
A iniciativa recoloca o tema no campo legal, deslocando-o de resoluções técnicas para norma de lei, e reacende o embate entre entidades médicas, lideranças religiosas e operadores do direito.
O projeto estabelece que a cessão temporária de útero poderá ocorrer quando a gestação natural for inviável ou desaconselhada por indicação médica.
Não há margem para remuneração: permanece a vedação a lucro, com preferência para que a cedente tenha vínculo de parentesco com os beneficiários.
O arranjo deve ser fechado antes da implantação do embrião, por instrumento público ou particular, com cláusula que atribui expressamente a filiação aos autores do “projeto parental”.
A novidade está na centralidade do documento: a parentalidade passa a ser antecipada e fundamentada no consentimento formal, trazendo previsibilidade ao registro civil.
REGISTRO CIVIL DIRETO NO CARTÓRIO
O procedimento no cartório é descrito de forma detalhada.
O oficial do Registro Civil lavrará o assento em nome dos autores do projeto parental mediante a apresentação da Declaração de Nascido Vivo, do termo de consentimento informado assinado na clínica e do contrato de cessão temporária de útero com a indicação de filiação. O cartório fica proibido de revelar no assento o caráter da gestação por substituição.
Com isso, o eixo de controle migra do Judiciário para o âmbito administrativo, apoiado na conferência documental.
Críticos veem nessa eliminação da chancela judicial obrigatória um ponto sensível, sobretudo em situações de maior complexidade ética ou com indícios de intermediação indevida.
REGRAS PARA GAMETAS, SIGILO E ACESSO EXCEPCIONAL
No entorno da reprodução assistida, a proposta permite doação de gameta sem comercialização e impõe que clínicas comuniquem ao Sistema Nacional de Produção de Embriões os nascimentos vinculados a material genético doado, para futura consulta por ofícios de registro em verificações de impedimentos matrimoniais.
O sigilo do doador é preservado; contudo, a pessoa nascida pode acessar sua origem biológica em hipóteses justificadas de saúde e mediante autorização judicial. O texto enfatiza que não há vínculo de filiação entre o concebido por doação e o doador de gametas.
Outro dispositivo que suscita debate determina que embriões criopreservados não poderão ser descartados: deverão ter destino definido, como pesquisa ou entrega a terceiros, o que abre questões bioéticas e operacionais nas clínicas sobre custódia, consentimentos sucessivos e prazos de decisão.
Na edição de amanhã (3ª feira – 7/10) será publicada a parte II deste artigo