Nesta segunda-feira (2/6), o ministro Alexandre Silveira, de Minas e Energia, apresentou ao presidente Lula um plano engenhoso para superar o impasse do aumento do IOF no Congresso e criar uma receita extraordinária a partir da exploração de petróleo. Com a proposta, estima-se arrecadar R$ 35 bilhões até 2026. Uma vitória tática, que revela a capacidade do governo de encontrar soluções criativas para resistências políticas imediatas. Mas também escancara um limite estratégico: não há ajuste fiscal sustentável enquanto o Brasil carregar a âncora de uma política monetária suicida, que drena quase R$ 1 trilhão por ano dos cofres públicos em pagamento de juros da dívida.
A tentativa do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, de construir um pacto de responsabilidade fiscal é louvável, mas sua agenda esbarra num muro de concreto: a resistência do Congresso Nacional a novos impostos, como se viu no caso da IOF, e a Selic em 14,75% ao ano, que sozinha explica quase todo o déficit nominal do setor público. Em 12 meses, até fevereiro de 2025, o Brasil gastou R$ 923,9 bilhões com juros — 7,78% do PIB — contra um déficit primário de apenas R$ 15,9 bilhões. Ou seja: o Brasil não gasta demais com saúde, educação ou previdência. O Brasil paga demais aos rentistas.
É aqui que a fala do presidente do Banco Central, Gabriel Galípolo, ganha contornos dramáticos. Ao dizer que o país precisa de “estômago de crododilo e queixo de pedra” para suportar esse ciclo de juros altos, ele propõe resiliência estoica de quem vive da produção e do trabalho — enquanto o Banco Central oferece mel aos rentistas, que seguem se banqueteando com títulos públicos que pagam um dos maiores juros reais do mundo.
Ainda que a chegada de Galípolo represente uma guinada importante no comando do Banco Central, seu discurso revela o quanto a autoridade monetária ainda está capturada por uma ortodoxia paralisante. A justificativa é sempre a mesma: a necessidade de “âncoras fiscais e monetárias” para manter as expectativas de inflação sob controle. Mas o que realmente se ancora com juros de 14,75% ao ano é a inércia de um sistema que transfere renda de forma brutal do Estado — e, portanto, da sociedade — para uma elite rentista.
A manutenção dessa taxa desproporcional cria uma casta parasitária que se acostumou a viver de rendimentos sem risco, sem trabalho e sem produção. Não se trata de meritocracia ou de livre mercado. Trata-se de um dos mais perversos sistemas de extração de riqueza já montados em um país periférico. E o pior: sob o pretexto de “prudência”, essa política limita o potencial de crescimento econômico e restringe o investimento público e privado.
O plano de Silveira, ao explorar as riquezas do petróleo nacional para gerar receita, é válido, mas também insuficiente. Gera alívio momentâneo, mas não resolve o desequilíbrio estrutural. O mesmo vale para o esforço permanente de Haddad em domar o Orçamento. Enquanto o Estado for forçado a sacrificar gastos produtivos para remunerar capital ocioso, qualquer ajuste será equivalente a enxugar gelo.
O que se espera do governo Lula, neste ou no próximo mandato, é coragem política para desmontar a armadilha dos juros abusivos. Mais do que articular mudanças pontuais em tributos ou buscar receitas não recorrentes, é preciso recolocar o debate sobre a política monetária no centro do projeto nacional. Em algum momento, o governo Lula terá que demonstrar disposição política para romper esta armadilha. E, para isso, mais do que “queixo de pedra”, será preciso enfrentar a financeirização da economia brasileira.
*Jornalista e editor responsável pelo portal Brasil 247