Estou na internet, logo existo? Não se depender de quem decidiu abandonar os perfis, curtidas, seguidores, stories e tudo mais que se encontra dentro de redes sociais. Ao contrário dos que se consideram "cronicamente on-line", algumas pessoas não se sentem à vontade vivendo no mundo das telas. E está tudo bem!
Sério, está tudo bem mesmo. Afinal, segundo a psicóloga Ediane Ribeiro, se afastar das telas pode trazer inúmeros benefícios e hábitos positivos, sendo considerada até uma forma de autocuidado:
"Seja para lidar melhor com o aumento da ansiedade que o uso constante provoca, seja para tentar reduzir essa aceleração mental, seja para colocar mais foco nas relações reais, no momento presente, aumentar a habilidade social, o desenvolvimento da inteligência relacional ou da regulação emocional."
"Muitas vezes, retirar-se das redes sociais será uma forma de oferecer ao sistema corpo-mente um descanso, o que pode, de fato, ajudar a reparar os impactos desse estado contínuo de alerta e sobrecarga."
Especialista em liderança e gestão, a psicóloga Amanda Carvalhal assina embaixo e acrescenta que um dos aspectos mais positivos da decisão de se afastar das redes sociais é o fortalecimento da autonomia emocional:
"Demonstra que a pessoa está atenta aos seus limites e priorizando o autocuidado. Esse movimento também permite que ela resgate o foco em experiências presenciais, reconectando-se com atividades significativas, fortalecendo vínculos reais e reduzindo o impacto da comparação social excessiva."
Do esgotamento à ansiedade: os efeitos negativos do excesso de telas
Entre os principais sinais de que as redes sociais estão afetando negativamente a saúde emocional de uma pessoa, Amanda destaca aumento da ansiedade, insônia, irritabilidade, dificuldade de concentração, queda na autoestima, sensação constante de inadequação ou inferioridade, além de um padrão de comparação excessivo.
As redes sociais criam um ambiente propício à comparação, pois a maioria das pessoas compartilha apenas aspectos positivos e idealizados de suas vidas: "Quem já possui uma autoestima fragilizada ou uma necessidade elevada de validação externa tende a interpretar essas postagens como parâmetro de sucesso e felicidade."
"Esse processo alimenta sentimentos de inadequação, fracasso e impotência, podendo evoluir para quadros de ansiedade ou depressão."
Segundo Amanda, pessoas com traços de perfeccionismo, baixa autoestima, alta necessidade de aprovação e dificuldade de lidar com frustrações são as mais vulneráveis no ambiente das redes sociais: "Indivíduos com quadros prévios de ansiedade ou depressão também podem ser mais impactados, assim como adolescentes e jovens adultos, que estão em fase de construção da identidade e são especialmente sensíveis à opinião alheia."
Ediane acrescenta ainda a ansiedade causada pelo excesso de informações, pela necessidade de uma resposta imediata, ou de estar por dentro de tudo - o que muitos chamam de FOMO (Fear of Missing Out).
"Tudo isso vai gerando uma aceleração mental: a pessoa não consegue relaxar, não descansa nem quando dorme, e isso gera uma cascata de prejuízos, como alterações no sono, na alimentação, aumento da irritabilidade… O aumento da ansiedade acaba gerando, em efeito dominó, uma série de outros desfechos danosos para a saúde mental", explica.
A especialista destaca outro efeito negativo do uso de telas: a diminuição da habilidade relacional, um ponto que, segundo ela, vem sendo muito estudado, principalmente com jovens, crianças e adolescentes:
"Há uma redução no desenvolvimento das habilidades relacionais, da capacidade de lidar com emoções - algo que aprendemos no contato social. É nas relações que aprendemos sobre regras, sobre quebrar regras, sobre emoções e sobre como nos regularmos emocionalmente uns com os outros."
"Com o excesso de redes, tem-se visto uma perda dessa capacidade, dessa inteligência relacional. Isso traz prejuízos para a saúde mental."
Sinais de alerta: quando é hora de se afastar?
Para Amanda, o afastamento das redes pode e deve ser considerada uma medida preventiva: "Não é preciso esperar que os sintomas se agravem para que um afastamento ou redução do tempo de exposição ocorra. A pausa estratégica pode ajudar a manter o equilíbrio emocional, promover autoconhecimento e prevenir o surgimento de quadros mais sérios, como depressão e burnout."
Para quem está sentindo que as redes sociais estão pesando, Amanda aconselha escutar os sinais do corpo e da mente: "A sua saúde emocional deve ser prioridade. Não se trata de um afastamento definitivo, mas de uma pausa consciente para reavaliar a relação com o meio digital. Muitas vezes, reduzir o tempo de uso já traz alívio significativo. Além disso, é importante lembrar que a qualidade da sua presença e não a quantidade é o que gera impacto positivo e conexões verdadeiras."
Para Ediane, um indicador importante é avaliar o quanto o uso das redes sociais está causando prejuízo nas diferentes áreas da vida: físicas, mentais, emocionais e relacionais.
"Do ponto de vista comportamental, o tempo e a frequência com que você checa as redes são indicativos muito importantes. Se você não consegue ficar muito tempo sem checar a rede e isso começa a gerar desconforto emocional, ansiedade, isso indica um problema."
Redes sociais e trabalho: quando a tela é obrigação
Para equilibrar a necessidade profissional de estar presente nas redes, Amanda indica estabelecer limites claros e saudáveis: "Isso inclui definir horários específicos para uso profissional, evitar checar notificações fora desse período, delegar funções sempre que possível, e praticar uma curadoria criteriosa dos conteúdos consumidos."
"Além disso, é fundamental cultivar atividades fora do ambiente digital, que proporcionem prazer e relaxamento, fortalecendo a saúde mental."
Além disso, Amanda ressalta que uma liderança verdadeiramente humanizada deve acolher essa escolha com empatia e respeito, evitando julgamentos e compreendendo que cada pessoa tem necessidades singulares de autocuidado: "Incentivando práticas organizacionais que valorizem o bem-estar emocional, promover diálogos abertos sobre saúde mental e flexibilizar processos que dependam exclusivamente do uso constante das redes."
Se a ausência nas redes pode impactar negativamente a carreira de alguém, Amanda é sincera: "Sim, dependendo da área de atuação, a ausência pode limitar oportunidades de networking ou visibilidade."
"Porém, isso pode ser contornado com planejamento estratégico, como manter perfis atualizados, programar conteúdos de forma automatizada, ou concentrar a atuação em plataformas que causem menos impacto emocional. A chave é encontrar um modelo de presença digital que seja sustentável e alinhado aos limites pessoais."
Quero desconectar: como começar o detox digital?
Segundo Ediane, se uma pessoa tem um comportamento compulsivo no uso das redes sociais, o início da desconexão pode gerar uma desorganização emocional muito parecida com uma síndrome de abstinência, como quando a pessoa está saindo de um vício.
"Assim, podem surgir inquietação, aumento da ansiedade, sensação de desconforto emocional, dificuldade para dormir e sentimentos de que está faltando alguma coisa, como se a pessoa não conseguisse realmente pensar a sua vida ou sua existência sem o acesso às redes."
Além disso, a especialista diz que são muito comuns os relatos de uma sensação de isolamento do mundo, de não saber o que está acontecendo, de estar perdendo convites, eventos, momentos...
Outro desafio, principalmente no começo do afastamento das redes sociais, é conseguir preencher o tempo que antes era dedicado a elas: "Esse tempo pode ser preenchido por outras coisas muito produtivas, como o autocuidado, leituras, desenvolvimento pessoal e profissional, desenvolvimento espiritual, enfim, uma série de atividades."
"É fundamental começar a encontrar no offline atividades interessantes. Começar a fazer um esporte, entrar para um grupo de leitura - muita gente tem entrado para grupos de corrida, que ficaram em alta e têm muito a ver com essa tentativa de vida offline. Se for uma atividade que também inclui interação social, melhor ainda."
Desacelerar é tendência: o futuro pode ser offline
Para Ediane, o movimento de se afastar das redes sociais cresce a cada dia, algo que ela observa até mesmo em seus atendimentos: "As pessoas começaram a constatar a exaustão física, mental e emocional, e começaram a vivenciar essa fadiga digital. A partir disso, todas as vezes que o nosso sistema corpo-mente começa a entrar em exaustão, surge algum movimento de compensação, uma busca pelo retorno à saúde."
"Já estamos vivendo um movimento de tentativa de retorno à saúde no uso das redes sociais. Elas não vão desaparecer, mas acredito que vai surgir um movimento de mudança na forma como as utilizamos."
"Esse movimento de desacelerar digitalmente, em busca não só de saúde mental, mas também de saúde física e relacional, vai aumentar."