Papel e caneta, tesoura, pente, navalhas, anilhas e halteres. Esses não são itens aleatórios. Na verdade, fazem parte da rotina de Luciano Baron, gaúcho de 18 anos que é estudante, barbeiro e atleta profissional de Luta de Braço — ou, como você provavelmente conhece até agora, queda de braço.
Sim, praticar queda de braço não é somente uma brincadeira na mesa de bar. Evoluiu, hoje é esporte profissional com diversos apaixonados. Tem federações mundiais, competições e atletas dedicados — segundo a Confederação Brasileira de Luta de Braço, são 17 mil profissionais no Brasil.
O Luciano é um deles. Sete vezes campeão gaúcho, três vezes campeão brasileiro, vice-campeão sul-americano no braço esquerdo e terceiro lugar no braço direito — logo abaixo explicamos como isso funciona.
Há quatro anos Luciano ingressou oficialmente na Luta de Braço e confessa que, apesar de praticar informalmente desde criança, também achava que era só uma brincadeira. — Por volta dos meus 14 anos, eu estava treinando na academia, e o Alisson, instrutor e atleta, me convidou para um treino da equipe Área 51. No início não levei tão a sério, mas depois de vencer meu primeiro campeonato gaúcho (em 2023), me apaixonei pelo esporte — contou Luciano em entrevista.
"Eu encontrei o pessoal, devia ter uns 20 atletas ali, e a gente tudo praticando na mesa, ensinando técnica um para o outro. Ali eu era sempre mais fraco na volta do treino, e eles foram me ensinando tudo", confessou Luciano.
Briga de braço dá dinheiro?
O jovem lutador precisou então aprender a conciliar a vida de quem ama o esporte, mas não vive dele. Treina como atleta, estuda — está no terceiro ano do Ensino Médio — e trabalha, pois ser campeão na Luta de Braço não rende recompensa financeira. Hoje é barbeiro em um estúdio em Cachoeirinha, na Região Metropolitana de Porto Alegre.
Após conquistar o primeiro título, com o estadual de 2023, pegou gosto. Foi campeão outras oito vezes do Gauchão, três vezes Campeão Brasileiro e conseguiu o segundo lugar na categoria Júnior no Panamericano, disputado em junho.
Para conseguir competir, tira dinheiro do próprio bolso e conta com a ajuda de familiares, principalmente da mãe Márcia Baron e do pai Marcos Baron. Os dois são os principais incentivadores da carreira esportiva do filho, e fazem de tudo para que ele possa participar dos campeonatos, mesmo quando o orçamento aperta.
— Meus pais sempre me apoiaram desde o começo: me levavam aos campeonatos, incentivavam os treinos e até puxavam minha orelha para eu treinar mais. No meu primeiro campeonato, ganhei na categoria, mas depois vieram muitas derrotas — foram três seguidas. Só de um ano e meio para cá comecei a vencer e ser campeão em alguns torneios.
No início, pensei em desistir várias vezes, porque não há retorno financeiro e é difícil conseguir apoio. Era complicado ficar entre os primeiros colocados. Mas o apoio da família foi essencial para eu continuar
— Luciano
A mãe, dona Márcia, é dona de um salão de beleza no município enquanto o pai, Marcos, é caminhoneiro. Por conta do trabalho, os dois conseguem deixar tudo para trás e acompanhar o filho atleta em competições.
— Na verdade, a gente deixa acontecer. Nós vamos vivendo um mês após o outro e sempre deu certo, mas não é fácil, não tem incentivo, agora para ele ir para Argentina (disputar o Panamericano) a gente conseguiu alguns patrocínios aqui da cidade. Mas é difícil — contou Márcia.
Os trajetos para os campeonatos são feitos de carro, às vezes com a família, outras com amigos, e a hospedagem costuma ser onde der. Luciano lembra que, no seu primeiro Campeonato Brasileiro, em Rafard (SP), foi com o pai e mais duas pessoas. Alugaram um chalé simples, com diária abaixo de 50 reais.
Já na entrada da cidade, o pai comentou que seria complicado: estrada de chão cheia de buracos e ninguém para recebê-los. Após esperar, apareceu um senhor sujo, aparentemente carneando um animal, que ofereceu almoço — uma refeição difícil de identificar, cercada por moscas e cachorros molhados do açude ao lado.
O chalé era precário: muitos mosquitos, roupas de cama empoeiradas e visivelmente sem troca há muito tempo.
— Acho que as roupas de cama não tinham trocado há mais de ano. Já tinha grosso de poeira. Depois de ir para lá disputar o campeonato, assim, morto. Não tinha força para nada nem dormir no meio da noite — relembra Luciano.
Pode tirar o cotovelo da mesa? Qual a posição dos dedos? As regras oficiais
Apesar da aparência simples, a Luta de Braço tem regras bem definidas. Por isso, o jovem lutador conta com o apoio da equipe Área 51. Um dos responsáveis é Thayan Andrade, treinador do Luciano que trabalha a parte física — precisa ser forte para competir — e a parte técnica.
— São vários exercícios específicos que a gente pega para fazer dentro da academia. Para aumentar a nossa força específica. Força no antebraço, força na mão. E o principal também é o treino na mesa. Treino entre duas pessoas — explica Thayan.
Na Luta de Braço, a mesa oficial conta com almofadas para apoiar os cotovelos e delimitar a área de vitória ou derrota. Um pino central serve de apoio para as mãos. E os juízes — geralmente dois — observam cada detalhe: se o cotovelo sai da almofada, se a mão ultrapassa o limite, se o ombro está alinhado corretamente.
— A pegada tem que ser justa, o centro da mesa respeitado. É tudo muito técnico — explica Luciano. A luta começa com o comando do árbitro e termina quando um dos competidores faz a mão do adversário tocar a mesa.
Faltas como tirar o cotovelo do apoio ou usar a mão livre para ajudar podem levar à desclassificação.
As competições são divididas por idade e peso. Na categoria sub-18, há divisões até 70 kg, até 90 kg e acima disso. Já na profissional, as faixas vão de 60 kg até acima de 110 kg, em intervalos de 5 ou 10 quilos. Luciano costuma competir entre 90 e 100 kg.
— A gente todos finais de semana, geralmente nos domingos à tarde. E a gente treina muito a técnica. Ensina o pessoal as regras, o que não pode fazer e o que pode fazer. Mas a equipe é mais focada no treino de mesa — explica o professor.
Thayan explica que qualquer um pode competir e na própria equipe, que hoje tem 90 atletas, há homens e mulheres de diversas idades.
— O pessoal se interessa bastante. Porque tem muita gente que gosta de luta de braço, mas nem sabe que a luta de braço é um esporte. Acham que é só uma brincadeira. E quando a gente faz exercícios específicos na academia, às vezes o pessoal olha e se interessa. Ou não entende o que a gente está fazendo — comenta Thayan.
Mas quando ele começou, a gente não via muito potencial nele. Ele falava pouco. Mas eu tenho muito orgulho no foco que ele tem. E como alguns anos depois, ele é um dos melhores atletas do Brasil. E para mim, isso é um motivo de orgulho — conta.