A Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) volta a enfrentar forte turbulência. Após a controvérsia em torno da criação de planos limitados a consultas e exames em ambiente de testes regulatórios, agora o debate sobre aceitar precatórios federais como ativos garantidores das operadoras desencadeou reação imediata de servidores e de empresas de grande porte do setor.
A proposta, apresentada pelo diretor de Normas e Habilitação das Operadoras, Jorge Aquino, deve ser avaliada na reunião da diretoria colegiada, marcada para esta segunda-feira (6/10). Mas cresce a expectativa de que o presidente da ANS, Wadih Damous, retire o tema da pauta. Empresas mais sólidas e respeitadas do mercado têm se mobilizado contra a iniciativa, entendendo que ela ameaça a credibilidade da regulação e a segurança dos consumidores.
Segundo a Associação dos Servidores e Demais Trabalhadores da ANS (Assetans), a discussão não deveria nem ser iniciada. Em carta enviada aos diretores, a entidade defende que qualquer alteração dessa natureza precisa ser “debatida e avaliada pelo qualificado corpo técnico que se debruça sobre a matéria na ANS”. Para os servidores, o risco institucional de avançar sem esse processo seria grave.
O debate pode soar excessivamente técnico, mas toca em um ponto essencial: os ativos garantidores são a reserva que assegura equilíbrio financeiro às operadoras e proteção direta ao consumidor. Em caso de insolvência, é esse patrimônio que garante o atendimento dos clientes. Substituí-los por precatórios federais, reconhecidos hoje pelo deságio elevado no mercado, é visto como um enfraquecimento da proteção do sistema.
Estudos recentes apontam perdas de 30% a 60% no valor de mercado desses títulos em relação ao valor de face. Ainda assim, a proposta de Aquino prevê que a ANS aceite seu registro sem desconto, algo considerado altamente controverso. Além disso, os precatórios não contam com sistemas de custódia como CETIP, SELIC ou CBLC, que dão segurança e transparência às aplicações financeiras.
Mesmo diante da resistência, Aquino defende sua iniciativa: “O que está sendo proposto é uma consulta pública para aprimoramento das medidas prudenciais. O Banco Central, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional aceitam os precatórios para pagamento de dívidas. Eu não vejo nenhum risco que possa vedar um debate”, afirmou.
O diretor reforçou que sua intenção é abrir o tema à sociedade: “Numa sociedade democrática, nenhum tema deve ser vedado o debate de nenhum tema, ainda mais o debate público. Se a proposta for derrotada, tudo bem, se a diretoria decidir não abrir a consulta ok, mas é minha prerrogativa sugerir medidas prudenciais e eu não vou me furtar de fazê-lo”.
Apesar da insistência de Aquino, a pressão de servidores e de grandes empresas do setor pode levar Wadih Damous a rever a pauta. Nos bastidores, a expectativa é de que o tema seja retirado, evitando uma crise maior de confiança no órgão regulador.